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12.10.16

Yemanjá era negra e Nossa Senhora Aparecida era branca - entenda o embranquecimento e enegrecimento das imagens.

Yemanjá Branca ou Yemanjá Preta?
Nossa Senhora Aparecida branca ou preta?
Primeiro vou falar do processo de embranquecimento de Yemanjá e depois do enegrecimento de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil.
Certa vez, num 2 de fevereiro (dia de Yemanjá) postei essa imagem abaixo e logo veio o comentário: "she used to be white" - ela costumava ser branca.
De súbito achei o comentário racista, mas procurei entender, lembrando de ter visto várias imagens de Yemanjá branca. Então respondi "not in african religion, i guess as Nossa Senhora she is white". Ou seja: não na religião africana, talvez como Nossa Senhora ela seja branca.
Não vamos confundir, aqui me refiro a Nossa Senhora dos Navegantes.
Como expliquei no post sobre as diferenças de Candomblé e Umbanda, na Umbanda nota-se muito o uso do sincretismo com o uso de santos católicos. E a figura de Yemanjá corresponde no catolicismo a Nossa Senhora dos Navegantes.
Yemanjá, conhecida como Rainha do Mar é um Orixá que representa a mãe protetora. Originalmente do Yorubá Yèyé omo ejá, conhecida porYemọjá na Nigéria. Trata-se do Orixá mais popular no Brasil, popularmente referido como Dona Janaína. Dia 2 de fevereiro é o seu dia e em diversas cidades brasileiras se comemora na praia com dança e oferendas a ela.
O processo de embranquecimento da imagem é, portanto, muitas vezes justificado pelo sincretismo. Conta-se que os escravos africanos para continuar devotos à Yemanjá enterravam a imagem negra no chão e sobre ela colocavam a santa da Nossa Senhora de Navegantes, para não sofrerem preconceito ao seu culto original. A opção de muitos centros de umbanda pela imagem católica ao invés da africana derivava da aceitação da religião no Brasil, por sua vez decorrente de um processo histórico de catequização.
Em resposta ao comentário no meu Facebook postei também o link desse vídeo muito elucidativo sobre o tema.
Desse modo, muitas pessoas tem como referência a mistura das vestes de Yemanjá, porém com feições e cor branca. Isso deixa muitas pessoas revoltadas, achando um desrespeito ao culto africano. O posicionamento final do vídeo é muito sábio, por respeitar todas as opiniões, no qual conclui: Orixás não são pessoas, cada um cultua à sua maneira. Eu particularmente gosto de uma abordagem epistemológica e faço menção à origem africana, pois gosto de resgatar a essência, de onde surgiu Yemanjá. Mas acredito que em todos os cultos e religiões a lição mais importante é de aceitação e amor, então o respeito deve sobrevaler qualquer diferença. 

Mês passado numa aula de maquiagem conceitual uma colega escolheu tratar sobre Yemanjá e trouxe imagens de referência. Não surpeendentemente eram todas brancas. Nesse momento aproveitei para falar da origem do Orixá e sobre o processo de embranquecimento, partilhando do conhecimento, mas sem abrir mão do respeito e da liberdade da colega de fazer referência à Yemanjá branca, especialmente na representação artística. 
O que você acha?
E se fosse o contrário? Pois bem, o contrário, segundo pesquisadores, aconteceu com a Nossa Senhora Aparecida, santa cultuada como padroeira do Brasil, comemorada hoje, dia 12 de outubro.
Essa data é feriado no Brasil desde 1980, quando o Papa João Paulo II consagrou a Basílica onde está a imagem de terracota da santa, o quarto santuário mariano mais visitado do mundo
Se levarmos em consideração o mesmo critério epistemológico, Nossa Senhora da Conceição Aparecida é venerada pela Igreja Católica como a Virgem Maria e originalmente sua cor é branca, resultado da Arte Sacra Europeia.
Na religião católica todas as Nossas Senhoras são a mesma Maria mãe de Jesus Cristo, ou Maria mãe de Deus. Assim,  Nossa Senhora Aparecida é Maria. Da mesma maneira Nossa Senhora de Fátima, de Lurdes, de Guadalupe, de Medjugore, de Lujan (na Argentina) e tantas outras aparições ou fatos misteriosos que envolvem Maria nossa Mãe.
Mas qual a história por trás do enegrecimento da nossa padroeira Nossa Senhora Aparecida?
Os pescadores Domingos Garcia, João Alves e Filipe Pedroso rezaram para a Virgem Maria e pediram a ajuda de Deus. Eles já estavam a desistir da pescaria quando João Alves jogou sua rede novamente, em vez de peixes, apanhou o corpo de uma imagem da Virgem Maria, sem a cabeça. Ao lançar a rede novamente, apanhou a cabeça da imagem e a envolveu num lenço. Após terem recuperado as duas partes da imagem, os três pescadores apanharam tantos peixes que se viram forçados a retornar ao porto, uma vez que o volume da pesca ameaçava afundar as embarcações. Esta foi a primeira intercessão atribuída à santa.
Lê-se no texto da imagem acima que a coroa foi um acessório posterior, adquirido em 1904, como doação ofertada pela Princesa Isabel, levando à imagem hoje popular da santa:
O motivo pelo qual ela estaria escura negra ou amarronzada, seria pela ação do tempo no fundo do rio, porque ficava na cozinha de uma casa perto de carvão, ou devido à oxidação da sua cor original durante o período que passou dentro da água caudalosa. 
Existem Virgens Negras em outros países como a Itália, mas lá a justificativa também é semelhante, o enegrecimento foi posterior e não fazia parte da constituição original:
"Esculpida em madeira de pinus cembra (uma espécie de pinheiro europeu), com sorriso delicado e austero, a Virgem de Oropa foi coroada pelos antigos reis de Savoia, em 1620. “Um das curiosidades sobre a estátua é que ela não tinha o rosto escuro. Supõe-se que tenha sido pintada ou adquirido a cor preta devido a fumaça da velas acesas ao seu redor”, conta a responsável pela comunicação do Santuário de Oropa, Linda Angeli." Veja a VIrgem de Oropa na imagem abaixo:
Um estudo realizado por um pesquisador da Universidade de São Paulo, Lourival dos Santos.
"A padroeira do Brasil já foi representada de formas diferentes das que conhecemos hoje. Santos encontrou, em estampas e santinhos do início do século passado, imagens de Aparecida branca. Para compreender como funcionou esse processo de assimilação da santa pela população e o seu enegrecimento, Santos realizou entrevistas com uma família de devotos negros. Além disso, ele analisou as canções brasileiras referentes à santa. Essas pesquisas foram a base da tese de doutorado de Santos, defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP."
A tese esclarece que o enegrecimento da Virgem Maria no Brasil foi uma demanda da modernidade brasileira, o que permite uma identificação maior com a imagem. Cita ainda os estudos de Lívio Sansone, que propõe a existência de uma NEGRITUDE SEM ETNICIDADE, que admite "impurezas culturais"(pureza cultural estaria restrita aos cultos africanos, por exemplo como a questão da Yemanjá negra citada acima, ao passo que o culto às virgens negras seria uma impureza cultural).
O autor afirma que ao contrário do ocorrido no relato acima sobre Yemanjá, o enegrecimento da Nossa Senhora Aparecida pode ter sido uma negociação de afrodescendentes com a Igreja Católica.
Se os índios e negros no primeiro caso se subordinaram à Igreja Católica, esse caso representa o oposto, num contexto de escravidão. Ou uma estratégia para atrair fiéis?
Nas páginas 104 e seguintes encontram-se diversas respostas dos entrevistados pelo autor, e ao serem questionados sobre a cor da santa respondiam, por exemplo, que não sabiam o por quê de ser negra, se fosse branca ou de outra cor não importaria, mas 'a verdadeira é negra'. E depois passam a discutir sobre racismo, representatividade e identidade. Recomendo a leitura: https://issuu.com/wesleyhenriquedesouza/docs/14-lourival-santos
Então, o que você acha? Cada um cultua a imagem à sua semelhança? O que importa é a epistemologia? Ficamos com Yemanjá Negra e Nossa Senhora Aparecida Branca, ou vice-versa? Que o texto instigue a reflexões especialmente de aceitação das opiniões opostas, porque a espiritualidade e o direito ao culto religioso (art.5, VI CRFB/88) deve aflorar no amor e na paz.

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